Terça-feira, 15 fevereiro 2011 18: 01

Relações Trabalhistas Aspectos da Inspeção do Trabalho

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O papel fundamental desempenhado pela inspeção do trabalho no desenvolvimento das relações de trabalho é indiscutível; de fato, a história do direito do trabalho é a história do sistema de inspeção do trabalho. Antes da criação das primeiras inspeções do trabalho, as leis trabalhistas eram meras declarações de objetivos cuja violação não resultava em sanções. O verdadeiro direito do trabalho surgiu quando um órgão específico foi incumbido de zelar pelo cumprimento das normas, dando efetividade à lei por meio de sanções legais.

As primeiras tentativas nacionais de instauração de um sistema de inspecção do trabalho centraram-se na criação de organismos voluntários que actuavam sem remuneração na protecção das mulheres e crianças empregadas na indústria e que respondiam à natureza peculiar do liberalismo económico. A experiência logo impôs a necessidade de se criar um órgão de caráter coercitivo que realmente fosse capaz de proteger a população trabalhadora como um todo. A primeira lei introduzindo uma inspeção oficial de fábrica foi aprovada na Grã-Bretanha em 1878, sob a alegação de que os requisitos relativos à nomeação de executores honorários não haviam sido cumpridos fielmente e, portanto, as medidas de proteção não haviam sido aplicadas. A lei conferiu aos fiscais de fábrica os seguintes poderes básicos: entrada irrestrita nas fábricas, livre questionamento de trabalhadores e empregadores, exigência de apresentação de documentos e capacidade para dirimir litígios e apurar infrações às leis.

A evolução dos vários regulamentos teve como resultado, nos anos seguintes, a reafirmação da autoridade dos inspetores de fábrica como funcionários administrativos, separando e gradualmente eliminando sua função de juízes. Surgiu a ideia do inspetor como funcionário público remunerado, mas também participante do sistema de relações trabalhistas, funcionário do Estado que garante que o governo mostre seu lado humano por meio de sua presença direta no local de trabalho. Com este objetivo, a inspeção foi convertida em um órgão básico para o desenvolvimento e aplicação da legislação; tornou-se, de fato, um pilar fundamental da reforma social.

Essa dupla concepção de suas atividades (controle estrito e observação ativa dos fatos) revela as origens da atividade fiscalizadora nas instituições legais. Por um lado, a inspecção do trabalho trabalha com textos legais claros e específicos que devem ser aplicados; e, por outro lado, a correta articulação e exercício de suas funções o levam a interpretar a letra da lei por meio da ação direta. O inspector tem de conhecer não só a letra da lei, mas também o seu espírito e, por isso, deve ser sensível ao mundo do trabalho e ter um conhecimento profundo não só das normas mas também dos procedimentos técnicos e de produção . A inspecção é, assim, um órgão de política laboral, mas também uma instituição criadora de progresso, progresso esse fundamental para a própria evolução do direito do trabalho e das relações laborais.

A evolução do mundo do trabalho continuou a aprofundar e reforçar o papel da inspecção enquanto órgão de controlo autónomo no centro da esfera das relações laborais. Paralelamente, modificações e mudanças no mundo do trabalho geram novos objetivos e formas de relacionamento interno no complexo microcosmo que é o local de trabalho. A concepção original de uma relação de tipo paternalista entre o fiscal e os fiscalizados cedeu desde cedo a uma actuação mais participativa dos representantes dos empregadores e dos trabalhadores, envolvendo o inspector os interessados ​​na sua actividade. Assim, o papel de conciliador em disputas coletivas foi atribuído aos fiscais do trabalho desde o início na legislação de muitos países.

Junto com a consolidação do papel do fiscal estadual, os avanços do movimento sindical e das organizações profissionais despertaram um maior interesse dos próprios trabalhadores em participar ativamente da fiscalização. Depois de várias tentativas dos trabalhadores de se incorporarem à ação direta da inspeção (por exemplo, tentativas de estabelecer inspetores-operários como existiam nos países comunistas), o status independente e objetivo da inspeção passou a ser favorecido, com sua transformação definitiva em órgão do Estado composta por funcionários públicos. No entanto, a atitude participativa dos representantes dos trabalhadores e dos empregadores não se perdeu nos contactos com a nova instituição: a inspecção, para além de entidade independente, converteu-se também num participante ocupando um lugar privilegiado no diálogo entre aqueles representantes.

Nesta perspectiva a inspecção desenvolveu-se progressivamente e em paralelo com a evolução social e económica. Por exemplo, a tendência protecionista do Estado durante o primeiro terço do século XX resultou em modificações substanciais na legislação trabalhista, agregando um número considerável de graduados aos já matriculados como fiscais. Uma consequência imediata desses desenvolvimentos foi a criação de uma verdadeira administração trabalhista. Da mesma forma, o surgimento de novas formas de organização do trabalho e a pressão das forças de mercado sobre o serviço público no final do século XX também afetaram a inspeção do trabalho em muitos países.

A inspecção, originalmente concebida como um corpo de controladores legais, modificou a sua própria actividade ao longo do tempo e converteu-se num mecanismo útil e integrado de resposta às necessidades tecnológicas das novas formas de trabalho. Desta forma, o direito do trabalho também cresceu, adaptando-se às novas necessidades da produção/serviços e incorporando normativos de natureza técnica. Daí o surgimento de ciências afins: sociologia do trabalho, ergonomia, segurança e saúde ocupacional, economia do trabalho e assim por diante. Com novas ênfases e perspectivas para além da esfera puramente legal, o inspector tornou-se um elemento activo da verdadeira aplicação das regras nos locais de trabalho, não só por força da aplicação de sanções, mas também por aconselhar os representantes dos empregadores e dos trabalhadores.

Generalista versus Especialista

Os próprios regulamentos nacionais adotaram duas abordagens organizacionais diferentes para a inspeção: a inspeção generalista (que surgiu na Europa continental) e a inspeção especializada (que se originou no Reino Unido). Sem entrar nos argumentos relativos às vantagens de um ou outro sistema, a terminologia dos títulos revela duas perspectivas bastante distintas. Por um lado, a abordagem generalista (também chamada de unitária) envolve a ação inspetorial realizada por uma única pessoa, auxiliada por várias instituições técnicas, partindo do pressuposto de que a apreciação geral de um único inspetor pode fornecer uma base mais lógica e coerente para a solução de vários problemas trabalhistas. O inspetor generalista é um árbitro (no sentido da palavra utilizada na Roma antiga) que, consultadas as entidades especializadas competentes, tenta responder às dificuldades e problemas colocados pelo determinado local de trabalho. O inspetor generalista lida diretamente com as disputas de relações trabalhistas. A inspecção especializada, por outro lado, actua directamente através de um inspector eminentemente técnico, que tem de resolver problemas específicos num âmbito mais restrito. Paralelamente, questões puramente de relações trabalhistas são tratadas por mecanismos bipartites ou, às vezes, tripartites (empregadores, sindicatos, outros órgãos governamentais), que buscam resolver os conflitos por meio do diálogo entre eles.

Apesar das diferenças entre as duas tendências, o ponto de convergência reside no fato de que o fiscal continua sendo uma expressão viva da lei. No sistema de inspeção generalista, a posição central do inspetor permite que ele reconheça as necessidades imediatas e faça as devidas modificações. A situação italiana é particularmente ilustrativa disso: a lei habilita o inspetor a emitir normas de execução para complementar os regulamentos gerais ou substituir regulamentos mais específicos. No caso da inspecção especializada, o conhecimento profundo do inspector sobre o problema e as normas técnicas permite-lhe avaliar eventuais incumprimentos relativamente aos requisitos legais e de prevenção de perigos e também propor soluções alternativas para o imediato inscrição.

O papel atual da inspeção

O papel central do inspetor significa que, além de sua função fiscalizadora, o inspetor frequentemente se torna um pilar de sustentação das instituições sociais existentes no campo do trabalho. Além da função de controle geral no que diz respeito aos requisitos legais relativos às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores, a inspeção em muitos países supervisiona o cumprimento de outros requisitos relacionados a serviços sociais, contratação de trabalhadores estrangeiros, treinamento vocacional, previdência social e assim por diante. Para ser eficaz, uma inspecção do trabalho deve ter as características consagradas na Convenção da OIT sobre a Inspecção do Trabalho, 1947 (n.º 81): número suficiente de pessoal, independência, formação e recursos adequados e poderes necessários para realizar inspecções e encontrar soluções para os problemas problemas encontrados.

Em muitos países, os serviços de inspeção também têm responsabilidades na resolução de conflitos trabalhistas, participação na negociação de acordos coletivos a pedido das partes, atividades relacionadas à coleta e avaliação de dados socioeconômicos, elaboração de memorandos e assessoria técnica especializada em seus campos para as autoridades trabalhistas e outras funções de natureza puramente administrativa. Essa extensão e multiplicidade de atribuições decorre da concepção do inspetor como especialista em relações de trabalho com conhecimentos técnicos específicos. Reflete também uma visão especial de um quadro de funcionamento das empresas que vê na inspecção a instituição ideal para avaliar e resolver as dificuldades do mundo do trabalho. No entanto, esse caráter multidisciplinar em alguns casos dá origem a um problema básico: a dispersão. Pode-se questionar se os inspectores do trabalho, estando obrigados a assumir múltiplas responsabilidades, não correm o risco de ter de privilegiar actividades de carácter económico ou outro em detrimento daquelas que deveriam constituir a essência da sua missão.

A maior controvérsia sobre a determinação das funções típicas e prioritárias da inspecção prende-se com a função de conciliação dos conflitos laborais. Embora a vigilância e a fiscalização constituam seguramente a atividade quotidiana do inspetor, não é menos certo que o local de trabalho é o centro dos conflitos laborais, sejam eles individuais ou coletivos. Coloca-se assim a questão de saber se toda a actividade de controlo e avaliação da inspecção não implica, em alguma medida, uma actuação “paliativa” do próprio conflito. Vejamos um exemplo: o inspetor que sugere a aplicação de requisitos legais relativos ao ruído responde, em muitos casos, a uma reclamação dos representantes dos trabalhadores, que consideram que o nível elevado de decibéis afeta o desempenho do trabalho. Ao aconselhar o empregador, o fiscal está propondo uma medida para a solução de um conflito individual gerado nas relações cotidianas de trabalho. A solução pode ou não ser adotada pelo empregador, sem prejuízo da posterior instauração de ação judicial em caso de incumprimento. Da mesma forma, a visita de um inspetor a um local de trabalho para verificar se ocorreu um ato de discriminação antissindical visa diagnosticar e, se possível, eliminar divergências internas surgidas a esse respeito.

Em que medida a prevenção e a resolução de conflitos são diferentes na atividade diária do inspetor? A resposta não é clara. A estreita interligação de todas as esferas que fazem parte do campo do trabalho faz com que a inspecção seja não só uma expressão viva da lei, mas também uma instituição central no sistema de relações laborais. Um órgão fiscalizador que examine o mundo do trabalho como um todo poderá contribuir para garantir melhores condições de trabalho, um ambiente de trabalho seguro e, consequentemente, melhores relações trabalhistas.

 

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